O taxista português é um “animal” em vias de extinção. E é com pesar que o digo.
Tomei o contacto com esta espécie era eu ainda um puto reguila, de calções e suspensórios, sem preocupações para além dos playmobil e dos carros da Burago, nas viagens que fazia em Lisboa quando ia com a minha mãe e irmã desde a casa da minha tia em Alvalade até à baixa, rumo à Porfirios. Apesar de haver táxis e taxistas em Coimbra, os verdadeiros vivem e sempre pertenceram à capital, são únicos em todo o mundo, raros, e por isso preciosos. Ir a Lisboa e não conhecê-los de perto é como ir a Pequim e não andar num rickshaw, e por isso não ter o privilégio de ser transportado cidade fora por um desgraçado qualquer como se fosse um cavalo da rainha. Ou ir a Veneza e não andar de gôndola!? Ou ainda aqui mais perto ir a Marco de Canaveses e não passear num carro da Câmara Municipal.
Distinguem-se pelo veículo com motor Mercedes, que já em 1987 contava 20 anos e 500.000 mil km a precisarem de reforma. Bigode farfalhudo. Camisa de manga curta aberta até ao 3º botão e os pelos da peitaça enrodilhados na imagem de Nossa Senhora de Fátima. Barriga aparentava quase sempre ser de 7 meses para cima e alimentada durante muito anos em tascas do Bairro a chouriça assada, sardinhas assadas, negritos, febras, e muitas jarrinhas de vinho da casa.
A conversa começava no tempo, passando pelos bailes do Pinhal novo e acabava nos 120m2 de lixo que uma senhora foi limpar a casa do taxista. Pelo meio a historia de uma outra senhora a quem o mesmo esteve toda a noite a “desencaixar a prótese”…
Na aparelhagem faduncho de Lisboa ou os programas da Rádio Renascença, vidro do condutor sempre aberto até ao fundo mesmo que estivessem 5 graus negativos e o braço pousado meio dentro meio fora, sempre preparado para fazer o gesto simpático a um qualquer desgraçado que se lhes atravesse à frente. “Este deve ser turista” dizem eles a rir com ar de quem lhes passava com o carro por cima várias vezes ao mesmo tempo que levantam o dedinho mágico janela fora. A outra manápula colada à buzina, que é na gíria é a voz do taxista e a forma de dialogar com os outros condutores com quem se vão cruzando. Uma buzinadela ligeira é um “anda lá pá que está verde”, duas seguidas é “estás aqui estás ali” e uma buzinadela constante de 3 segundos ou mais é “uma carga de trabalhos”. Óculos Ray Ban modelo Aviator, 500 escudos na feira da ladra. Tapetes com bolas de madeira anti-transpiração no banco do condutor e um galhardete miniatura do SL Benfica pendurado no espelho. À volta do volante normalmente uma espécie de entrelaçado de pele foleira anti calos. Estofos de pele preta manhosa remendada com bocados de napa gelados no Inverno e capaz de grelhar fatias de picanha no Verão, apenas suportáveis graças à ventoinha miniatura com um barulho metálico irritante ligada ao isqueiro do carro. Um porta-fotos de prata com a identificação do taxista e uma fotografia tipo passe tirada antes de partir para a guerra colonial e três pirilampos mágicos alinhados a assistirem ao espectáculo. O mais próximo que havia do agora corriqueiro GPS era um mapa da cidade datado de 1980 de aspecto amarelado e pendurado na porta do condutor junto ao exemplar diário do Jornal “A Bola”. Dois livros de facturas, um para a contabilidade, o outro para o caixote do lixo junto à praça de São Pedro ao final do dia.
Velocidade cruzeiro de 100 km/h em qualquer parte da cidade, a mudança era sempre a mesma, só se usavam os pedais ligeiramente para curvar ou em rotundas. Semáforos e passadeiras sé serviam para enfeitar, atrapalhar e atrasar.
Adorava a maneira como comunicavam no rádio uns com os outros, tinham um dialecto próprio, incompreensível para quem assistia e não fazia parte da tribo. Fascinante.
Reis e sábios, julgava, várias vezes estranhei como nunca tinha feito o mesmo trajecto se o destino era sempre igual, bem como o ponto de origem.
São mesmo inteligentes estes taxistas pensava eu na minha inocência de 10 anitos.
Com pena minha esta espécie está a desaparecer, a perda de identidade é notória na classe e até já se vêem rapazes novos e alguns estrangeiros a conduzirem táxis. Inadmissível. A velha guarda está doente. Há que fazer algo por estes homens.
Lisboa deveria manter as suas raízes bem vivas e os taxistas “fogareiros” são sem dúvida um exemplo do que deveria permanecer intacto nas ruas da cidade.
E não apenas na nossa memória.
Tomei o contacto com esta espécie era eu ainda um puto reguila, de calções e suspensórios, sem preocupações para além dos playmobil e dos carros da Burago, nas viagens que fazia em Lisboa quando ia com a minha mãe e irmã desde a casa da minha tia em Alvalade até à baixa, rumo à Porfirios. Apesar de haver táxis e taxistas em Coimbra, os verdadeiros vivem e sempre pertenceram à capital, são únicos em todo o mundo, raros, e por isso preciosos. Ir a Lisboa e não conhecê-los de perto é como ir a Pequim e não andar num rickshaw, e por isso não ter o privilégio de ser transportado cidade fora por um desgraçado qualquer como se fosse um cavalo da rainha. Ou ir a Veneza e não andar de gôndola!? Ou ainda aqui mais perto ir a Marco de Canaveses e não passear num carro da Câmara Municipal.
Distinguem-se pelo veículo com motor Mercedes, que já em 1987 contava 20 anos e 500.000 mil km a precisarem de reforma. Bigode farfalhudo. Camisa de manga curta aberta até ao 3º botão e os pelos da peitaça enrodilhados na imagem de Nossa Senhora de Fátima. Barriga aparentava quase sempre ser de 7 meses para cima e alimentada durante muito anos em tascas do Bairro a chouriça assada, sardinhas assadas, negritos, febras, e muitas jarrinhas de vinho da casa.
A conversa começava no tempo, passando pelos bailes do Pinhal novo e acabava nos 120m2 de lixo que uma senhora foi limpar a casa do taxista. Pelo meio a historia de uma outra senhora a quem o mesmo esteve toda a noite a “desencaixar a prótese”…
Na aparelhagem faduncho de Lisboa ou os programas da Rádio Renascença, vidro do condutor sempre aberto até ao fundo mesmo que estivessem 5 graus negativos e o braço pousado meio dentro meio fora, sempre preparado para fazer o gesto simpático a um qualquer desgraçado que se lhes atravesse à frente. “Este deve ser turista” dizem eles a rir com ar de quem lhes passava com o carro por cima várias vezes ao mesmo tempo que levantam o dedinho mágico janela fora. A outra manápula colada à buzina, que é na gíria é a voz do taxista e a forma de dialogar com os outros condutores com quem se vão cruzando. Uma buzinadela ligeira é um “anda lá pá que está verde”, duas seguidas é “estás aqui estás ali” e uma buzinadela constante de 3 segundos ou mais é “uma carga de trabalhos”. Óculos Ray Ban modelo Aviator, 500 escudos na feira da ladra. Tapetes com bolas de madeira anti-transpiração no banco do condutor e um galhardete miniatura do SL Benfica pendurado no espelho. À volta do volante normalmente uma espécie de entrelaçado de pele foleira anti calos. Estofos de pele preta manhosa remendada com bocados de napa gelados no Inverno e capaz de grelhar fatias de picanha no Verão, apenas suportáveis graças à ventoinha miniatura com um barulho metálico irritante ligada ao isqueiro do carro. Um porta-fotos de prata com a identificação do taxista e uma fotografia tipo passe tirada antes de partir para a guerra colonial e três pirilampos mágicos alinhados a assistirem ao espectáculo. O mais próximo que havia do agora corriqueiro GPS era um mapa da cidade datado de 1980 de aspecto amarelado e pendurado na porta do condutor junto ao exemplar diário do Jornal “A Bola”. Dois livros de facturas, um para a contabilidade, o outro para o caixote do lixo junto à praça de São Pedro ao final do dia.
Velocidade cruzeiro de 100 km/h em qualquer parte da cidade, a mudança era sempre a mesma, só se usavam os pedais ligeiramente para curvar ou em rotundas. Semáforos e passadeiras sé serviam para enfeitar, atrapalhar e atrasar.
Adorava a maneira como comunicavam no rádio uns com os outros, tinham um dialecto próprio, incompreensível para quem assistia e não fazia parte da tribo. Fascinante.
Reis e sábios, julgava, várias vezes estranhei como nunca tinha feito o mesmo trajecto se o destino era sempre igual, bem como o ponto de origem.
São mesmo inteligentes estes taxistas pensava eu na minha inocência de 10 anitos.
Com pena minha esta espécie está a desaparecer, a perda de identidade é notória na classe e até já se vêem rapazes novos e alguns estrangeiros a conduzirem táxis. Inadmissível. A velha guarda está doente. Há que fazer algo por estes homens.
Lisboa deveria manter as suas raízes bem vivas e os taxistas “fogareiros” são sem dúvida um exemplo do que deveria permanecer intacto nas ruas da cidade.
E não apenas na nossa memória.
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