Podiamos pensar à partida que Maria era uma criança com uma doença rara ou uma deficiência profunda, mas que sabia pintar com os dedos dos pés ou com a boca graças à sua força de vontade. Ou que Maria poderia ser árbitro de futebol na primeira Liga ou um transexual que se prostitui no Intendente para poder vir a ser operado em Salamanca.
Ou apenas mais uma vítima de violência doméstica, mais do que comum no nosso país de "brandos costumes".
Ainda seria possível tratar-se da história de uma menina do interior perdido e raramente achado de Portugal e que queria muito ver o mar.
Uma expriência que nunca na sua ainda curta vida de 10 anos lhe havia sido proporcionada.
E que ao chegar a Carcavelos na carrinha de exteriores da estação de televisão para finalmente ver o grande Azul, Maria levara com um vagalho em cima e nunca mais aparecera.
Tudo isto seria possível ser noticiado num telejornal da nossa praça.
Mas não. A Maria é uma gata.
Isso mesmo.Uma gata.
E mais, a Maria é uma gata normal.
Não é uma gata que dança ao som da Madonna. Ou que gosta de ver as tardes da Júlia e o Você na tv. Não ronrona quando vê o nuno Rogeiro a falar de geopolítica ou bufa quando o Clemente passa na rádio. Não lê livros da Margarida Rebelo Pinto nem imita o o José Cid a cantar o Cinderela.
É uma gata vulgar que morava com a dona nos "Anjos". Como milhares de outras gatas da cidade de Lisboa. A Maria mia, dorme, come, ronrona, faz xixi e o resto, etc. Tudo normal.
O problema é a que a Maria um dia decidiu ir passear. Aqui começou o caso.
Pior, esqueceu-se de deixar um bilhete à Dona Emília, que mal se aparcebeu da falta da felina toca de meter tudo à procura. A PSP, PJ, Interpol (podia ter sido um rapto de um gangue internacional de tráfico de gatos muito na moda hoje em dia), a Brigada de trânsito, a Dona Conchita da Pastelaria Arco-Íris, o Sr. Mário do Talho, o Bino e o irmão zarolho da loja dos móveis, enfim. Tudo o que há de especialistas neste tipo de casos estiveram envolvidos de alguma forma nesta busca. Era vital que assim fosse, e as primeiras horas de desaparecimento são as mais importantes, como dizem os entendidos.
Óbvio que poucos dias após, a gata foi encontrada em casa de um casal em Carnaxide.
Igualmente óbvio é o facto de ter sido o Sr. Mário a encontrá-la. Só um homem com os conhecimentos dele seria capaz de tal proeza em tão pouco tempo.
Aliás se o Sr. Mário vivesse na praia da Luz, a Maddie ainda a esta hora estava a fazer castelos na areia e a ver os pais com os amigos no bar da praia a beber canecas de Guiness.
Teorias minhas aparte, vamos a factos:
A dona Emilia, sem meias medidas, toca de processar o casal de "terroristas". Não há cá "goelas", tribunal com eles. A gata "tinha um chip e estava registada na Junta de freguesia", por isso para a Dona Emilia tudo isto foi premeditado e trata-se portanto de um caso para a Justiça resolver.
Pouco interessa para a Dona Emilia que o chip não estivesse à vista.
O caso seguiu para tribunal, mas, como seria de esperar, o "sistema informático falhou nas duas primeiras sessões pelo que tudo ficou adiado para uma terceira audiência"
Na terceira audiência, já com os computadores a funcionar e sala repleta de todo o tipo de animais amigos e vizinho de Maria, o Excelentíssimo Juíz perante os factos narrados disse que a acusação teria de ser alterada de "furto simples" para "apropriação de coisa achada". Assim será. Não será bem uma "coisa" a Maria dirão os fundamentalistas em defesa dos animais, mas até ver a legislação ainda não abrange este caso dada a sua particularidade, pois até o meretíssimo Juíz foi de alguma forma apanhado de surpresa.
Assim sendo, o caso está para durar. A dona Emilia mantém-se irredutível e o casal que "se apropriou" alegadamente da gata Maria já deve estar mais do que arrependido de não ter entregue a gata ao Sr. Lee Hao, que tem restaurante lá na rua.
Eu cá para mim, e depois de ver a entrevista que a Dona Amelia deu na televisão, diria que a Maria fez muito bem em fugir de casa. Devia era ter apanhado o Alfa e só ter parado em Braga.
Mas isto sou eu que sou do contra. A dona Amelia faz muito bem em processar quem se aproveita da Maria.
Com um país sedento e à espera de soluções para os milhares de problemas que se nos colocam todos os dias, com um presente complicado e um futuro em ponto de interrogação, dezenas de pessoas perdem o seu tempo e dinheiro (incluindo eu que continuo a escrever sobre isto não sei bem porquê) com o "Caso Maria".
Tudo isto podia ser fruto da minha imaginação. Mas não.
Infelizmente, é o país que temos.
E alguns podem dizer que isto na América é o dia a dia, não seria sequer notícia.
Mas eu vivo em Portugal, e quando eu vejo uma noticia destas fico preocupado.
Afinal, o que vai ser dos nossos gatos no futuro?
Miau.
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