"Pachequices"


Eu adoro ouvir uma boa pachequice. Aliás, como já devem ter reparado, acho mesmo que a vida sem uma ou duas pachequices diárias não é a mesma coisa.
Por isso, dar valor a um Pacheco quando este fala ou escreve pode ser muito importante.
Não só na medida em que o próprio Pacheco se sente superior na proporção da atenção que lhe está a ser dispensada, mas porque na realidade diverte o espectador ou leitor, levando a que este se esqueça (ainda que apenas por breves instantes) da sua monótona, por vezes vazia e sensaborona realidade diária.

Em alguns casos a pachequice, quando bem administrada, pode mesmo fazer desaparecer a comichão irritante que alguns sentem na continuação da zona do cóccix, rumo ao ânus. Uma questão terapêutica, de saúde pública portanto, mental e física.
Existe desta forma uma certa reciprocidade sadia nestas coisas da pachequice: por um lado temos o leitor que se diverte e regozija com as pachequices debitadas pelo Pacheco, por outro temos o Pacheco e o seu ego constantemente massajado, sentindo que pode desta forma continuar a pachecar as suas pachequices de forma continuada e cíclica. Com patrocínio de radios, televisões e grandes jornais.

A pachequice pode então ser descrita como a capacidade inata que o Pacheco tem de transmitir algo de uma forma magistral e com pompa desmedida, ainda que o faça desprovido de qualquer fundo de verdade, sem uma réstia que seja de conhecimento da realidade sobre a qual disserta, e sem que em todo este processo consiga fazer reflectir uma sombra sequer de nexo ou lógica, sempre com o ar e prosápia intelectual, cativante, sagaz, reconfortante e supostamente inteligente, de um professor doutorado na matéria sobre a qual a pachequice incide.

Um Pacheco é portanto um individuo, que munido que está das suas pachequices, encontra-se habilitado a falar sobre qualquer matéria, refutar qualquer afirmação, comentar tudo o que lhe aprouver, fazendo-o sempre com um aprumo digno de uma empregada doméstica, presumindo que ninguém pacheca como ele, e que certamente ninguém passa camisas de linho de uma forma tão imaculadamente perfeita, pelo menos na matéria sobre a qual se encontra a dissertar, ou pelo menos a camisa que tem de momento entre as mãos e o ferro.

Desta forma Pacheco pode discorrer descontroladamente pachequices, saltitado entre temas diversos, analisando o improvável, distorcendo o provável, mas mantendo sempre a inabalável presunção de que ninguém à face desta terra pode sentir-se verdadeiramente digno de a habitar se ousar não concordar com as pachequices, que o mesmo apresenta em forma de verdades inabaláveis, inquestionáveis, irrefutáveis e incontornáveis.

Penitencio-me pelo facto a minha pessoa ser uma das poucas que não consegue vislumbrar na pachequice qualquer carácter filosófico para além do culto obsessivo (esse sim perigoso) pelo eu, que eu chamo de “masturbação intelectual”. A mim este tipo de fenómeno faz-me rir. Só e apenas. Mais nada. Rir.

Mas presumo que esta minha inaptidão se deva ao facto da capacidade de assimilação e compreensão da pachequice se tratar de uma qualidade exclusivamente reservada às pseudo-elites intelectuais do burgo, pelo que o resto da maralha ignóbil, inculta e desprovida de qualquer sensibilidade e inteligência onde orgulhosamente me incluo, apenas conseguir desatar a rir como um qualquer parolo a olhar para um Degas. O burro e o palácio.
É que a genialidade é muitas vezes incompreensível e inatingível.

Resta-me continuar a rir de ti ó Pacheco…

(tentei aproximar-me o mais possível da escrita Pacheca, que obviamente não domino nem tenho pretensões, pelo que qualquer dificuldade que tenham em retirar alguma informação útil ao que aqui foi escrito não deve ser vista como uma deficiência, ou causa de frustração, mas sim como um indicador positivo de normalidade)

1 comentários:

Maria C disse...

Como é possível terem passado 16 dias sobre este post e ninguém ter comentado?
Lágrimas assomaram aos meus olhos. Os soluços agudizaram-me a asma. Ri que nem uma perdida.
Mãos aos céus: não sou a única a dizer que o rei vai nu!
Obrigada!